quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Faceando a vida cotidiana

Eu ando pelo mundo prestando atenção Em cores que eu não sei o nome... ando pelo mudo tentando dar tons de preto e branco para eternizar os momentos, para entender as palavras que se calam no olhar da criança com frio na calçada, no agudo da voz da cantora que se ergue em meio às águas dançantes e para suportar o frio e o silêncio do Planalto em noite de chuva.
Voltando da Cantata de Natal na Torre de TV de Brasília. Um belo encontro de luz, som e vozes. Imagens projetadas em ritmo e cadência. Assim também batia meu coração, certo de que traçou os caminhos certos, fez as escolhas certas, promoveu encontros necessários, mas que muito ainda tenho que trilhar para chegar perto do coração selvagem da vida como queria Joyce e como lutou bravamente Clarice Lispector. Ave Palavra, Ave Marias, Ave todas as faces da Grande Deusa!!!!

A pele que habito diz pouco de mim. Os olhos que me permitem ver o mundo dizem muito de mim. A minha emoção transborda a partir daqueles que habitam tantas outras peles. O tempo dirá quem sou, depois de eu ter sido, para além dos territórios que habitei e para além das peles que me envolveram e para além dos olhos com os quais eu troquei mundos.
Almodóvar e Anzieu sabem do que estou falando: O Eu pele!
Estamos rodando a ciranda e batendo tambores como nossas ancestrais!!!! Aprovamos a legalizacao e discriminalizacao do aborto!!!! Vitoria para as mulheres brasileiras pobres e negras e para o pais na construcao de uma nova historia. Mas a luta continua para que se torne lei.
Cansada, de nariz no chão... mas feliz demais!!!!! Debatemos o dia inteiro a problemática da mulher brasileira, votamos as propostas de políticas públicas que garantam igualdade de gênero, rumamos assim para a plenária final dia 15/12.
Depois reuni a galera jovem da minha casa e fomos comer crepe no Tio Gu(niver do Rafa) e fechamos com chave de ouro dançando reggae no show de Zélia Duncan. Abalou o Centro de Convenções de Brasília.
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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Navegando no Facebook

Torre de TV, sol escaldante, ar seco. Brasília em brasa neste domingo. Mas vale circular entre as bancas da feirinha e trocar ideias com os vendedores. Dão de graça sorrisos, banquinho para descansar, dicas sobre como tratar couro e prata, contam histórias das gentes do lugar.
Enfim, minha terra tem cigarras que chegarão, tem ipês, caliandras, pessoas, arte e humanidade. Bom domingo no Planalto!

Final de tarde, céu cinza das queimadas. Tela do computador dando um colorido e ao lado uma música "nossa, nossa...assim"rsrsrs e eu mergulhada em trabalho, em reflexões e ponderações. Anúncio de um final de semana produtivo.
O tempo e a memória me tomam pelas mãos e eu sigo de olhos fechados me guiando por imagens e rostos que amo.

O Planalto e sua névoa seca. Mas mesmo assim, eu e tu transitamos por suas artérias monumentais. Cheias de histórias que descem dos prédios e se tocam no espaço do público.

Hoje a palavra está presa. Tomada por um sentimento de querência. Querência de tudo que me deixasse com os pés no chão e com o coração nas nuvens. Porque sou árvore e sou gente. Me fixo e me projeto. Minhas folhas caem, mas a espinha continua ereta e o poeta sabe que nem sempre o sentir é tranquilo.

Elis, com ela aprendi a mergulhar no silêncio de mim mesma. Com ela aprendi a sentir a intensidade das coisas banais. Com ela descobri que ser mulher é permitir-se ir além do Bojador, ir além da dor para ser feliz.
Que a vida me seja intensa, rara e única.
Navegar pelas Mais Recentes do Face é de fato entregar-se a um mosaico de imagens, ideias, emoções. Troca-se informação, atualiza-se sobre os últimos relacionamentos amorosos, descobre-se as vaidades de cada um de nós, as manias, os gostos e desgostos cotidianos. Mistura-se sem censura o coloquial e formal. No Face as faces que se mostram são avatares, são reais, são narradores que se escrevem para se traduzirem.
Hoje os ipês brancos que emolduram minha janela dão um colorido especial aos céus do planalto. São nuvens enraizadas no chão. Lindos sem dúvida, mas estou enamorada de uma única rosa que se ergue altiva, como uma rainha a duvidar de mim.
A vida e as pessoas me são caras. Tão caras que a possibilidade de perdê-las me apavora. Há algumas que estão tatuadas em minha alma. Uma alma que se entrega, um alma que se projeta em direção ao outro, uma alma que transborda de amor e por incompetência emocional muitas vezes magoa e fere. Há oportunidade de reconstruir? Não me foi dada esta chance quando eu mais queria.


Hoje o primeiro dia do novo ciclo que se inicia dia 21. Vem Vera, Vem Prima se espraia no mundo, explode em cor, enche de sumo e seiva a vida. Faz nossos olhos ficarem prenhes de mundos. Me deixa dirigir no Eixão virando o rosto de um lado para o outro em busca da flor, daquela flor que traz em si o germe de todo um universo. E as lesmas Manoel de Barros, onde estarão? Fodendo uma pedra?
Conversa louca, mas nós dois sabemos visgos e sobre paredes...

Olhos como esses me fitaram muito ontem à noite em frente à janela do meu quarto. Voava e mergulhava piando muito. Me anunciava algo e este texto retrata o que sinto desde ontem. Santa Évora!!

A vida é feita de insurgências. Deparamo-nos todos os dias com o novo, o inesperado. Viver é conseguir fazer desses fenômenos momentos de aprendizagem. E como diz Maffesoli, é preciso ouvir a relva crescer, perceber o mundo em um processo de escuta sensível.

Como afirmava Beauvoir ,não se nasce mulher: torna-se. E nos afirmamos com tal a partir do momento que entendemo-nos portadoras de uma subjetividade equivocada construída socialmente e que precisa ser desconstruída. Somos fortes e frágeis, somos emoção e razão. Somos sapiens e demens. Humanas e complexas.
Sem esquecer de dizer também que somos lindas nas nossas identidades.
Hoje vi meu presente passar diante de mim, tinha jeito de passado distante. O meu agora se reveste de futuro e busco a simbologia dos gestos para entender os silêncios interiores que se apresentam. Ser humano é estar em busca de si, do outro e das respostas que se fazem perguntas.

As cartas sempre trazem respostas. Meu oráculo, meu mapa de navegação. Herança ancestral que me fortalece. Sou humana, simbólica e ritual. Jung sempre me ajudou a interpretá-las sob o ponto de vista dos arquétipos. Colocá-las é um mergulho impagável no inconsciente.
A comunicação virtualizada é rica, mas limitada. As palavras, os sentimentos acontecem em um contexto real e quando virtualizadas perdem esse suporte, portanto, o face a face é fundamental. O olhar, o toque, a voz são indispensáveis para interpretar o discurso do outro.
E o skype e tantas outras ferramentas de áudio/vídeo? Também geram distorções, há uma máquina mediando o contato.

A cada movimento que fazemos em direção ao outro para entrar em relação, ganhamos energia, experiência e principalmente desenvolvemos a tolerância. Primeiro conosco, porque temos limitações,segundo com as limitações que impedem a troca de saberes. Sempre sabemos menos do que imaginamos, e estamos no mundo para aprender mais, respeitar mais e doar-se para o bem do coletivo. O mundo não sou eu, eu estou no mundo e tenho a obrigação enquanto espécie, de torná-lo melhor.

E a vida corre com toda sua beleza. As pessoas que amo vivendo com saúde, realizando seus projetos, construindo novas relações. Desejo sempre boas energias para os próximos e os mais distantes. A primavera se aproxima e o Planalto verá brotar flores das árvores que hoje estão desfolhadas. A vida é ciclo, renovação, enfim processo.

Há textos e mais textos a serem lidos, mas o que importa de fato são os textos vividos, as narrativas concretas. O que importa é a vida em cada momento raro. A vida em cada nó da rede. Importa o ser humano, seu inacabamento e sobretudo as pontes que construímos de nós para os outros.
Sou feliz porque trago no corpo as marcas da minha história, das histórias que ouvi de outras mulheres que me formaram. Amo a liberdade de pensar, mesmo com todos os discursos que introjetei e incorporei ao meu.
Participar da preparação da Marcha é sentir um país pulsante, vivo. São olhos que se buscam em meio a tantos rostos. Rostos queimados de sol, jovens ou marcados pelo tempo e pela lida. Mulheres que trazem no corpo a marca da terra . Mulheres que conversam contigo e contam suas histórias, apenas porque gostaram do cartaz que você confeccionava. Mulheres do campo que te beijam porque você pintou o chapéu delas. Mulheres, enfim, seres de luz sobre o chão.

Todas as coisas pequenas ou grandes existem em estado quântico. Não sou eu quem disse isso, foi o químico Shäfer. Isto significa que tudo ao nosso redor pulsa porque somos energia e formados de moléculas. Para que perder tanto tempo competindo, se podemos vibrar juntos?

Hoje é um dia especial na minha vida. Abri baús, revisitei antigos álbuns. Senti saudade da infância dos meus filhos. Ambos tão presentes na minha vida hoje. Meus companheiros, meus amigos e meus cúmplices em todas as minhas aventuras e tentativas de revolução.
O mundo virtual tem seus avatares. Nunca os confunda com as pessoas reais, porque são mundos diferentes e nem sempre se comunicam.

O que une as pessoas de uma família são laços que se dão no espaço da cumplicidade, das emoções e principalmente porque o universo e suas forças de alguma forma promoveu esse encontro. Não estamos juntos por acaso.


O Planalto Central, aquele que abriga o Distrito Federal e seus moradores, não o outro que abriga pseudopolíticos, arde debaixo de um sol forte e um tremendo ar seco. Mas do coração das pessoas jorra leite e mel como profetizou Dom Bosco para esta terra.
Muitos de nós quer uma cidade melhor e cada um com pequenos gestos cotidianos pode fazer a diferença. Vamos juntos?

Leveza. Leveza na alma. Os dias correm repletos de sol, com grandes suspiros de satisfação. Uma fome intensa de gestar textos contundentes, flechas certeiras que ultrapassem o alvo. Criar é ser descometido com as palavras e reinventar o espaço do não dito.
O medo é como uma flor que muitas vezes resiste à força da ventania. Mas quando sabemos a direção, mesmo uma brisa leve a arranca dos galhos.
A minha fragilidade é a minha força.

Noite de domingo é sempre um momento para escutar o silêncio da noite, atravessado pelo som das corujas que pousam no muro de casa. Espreitam-me e eu as espreito tentando buscar a luz da lua que teima em ofuscar nossos olhos. Olhos meus, olhos delas. Olhos da noite, olhos de quem produz e vive melhor à noite. Corujamos juntas.

Somos todas uma, juntas em um só ser. Portanto, não dá para ser de ninguém em particular também. Somos de nós mesmas. Podem cantar a mulher, mas somos tantas em um só ser, complexas, ramificadas e dissimuladas como dizia Machado.
Sábado complicado de viver. Quando um filho adoece metade de nós sente a dor e a outra metade ganha força extra para cuidar. Cada sinal de melhora é uma vitória e um sopro de vida.
O corpo agora no início da madrugada pede acalanto, som de mar, mergulhos com borbulhas para repousar. Meu corpo palpita insone, porque a vida me espera, o projetar-se me move. São tantos fios para dar arremate, tantas ações para desencadear, enfim, ser movimento, ser mudança para ser gente em inacabamento.

Brasília amanheceu fria e garoando. Da minha janela vislumbro uma extensa área verde coberta de névoa gelada. Uma visão que me remete ao passado ancestral. Uma saudade que não se nomeia, mas foi em algum lugar que vi a chama de uma vela luzindo numa noite fria, enquanto manuscrevia palavras a ermo. Acordei bachelarianizando como nunca.

Nas tardes cotidianas navego pelas redes, trabalho nos ambientes virtuais, ouço músicas que vão do Ilê à Esperanza e rascunho umas linhas tortamente ontológicas. Mas tenho clareza que o face a face, o abraço quentinho e o sorriso franco são insubstituíveis.

Voltar para casa é vislumbrar um Planalto de cores suaves, um sol forte , ipês que se despetalam com a força dos ventos, mas principalmente, sentir-se acolhida no silêncio do colorido Grande Colorado.

Os lugares, as pessoas, seus cenários são um misto de ancestralidade e de renovação. Viajo e me renovo, viajo e mergulho no tempo, viajo e me transmuto em outras. Enfim de onde vim trouxe memórias, onde estou construo perguntas, para onde vou abro lacunas a serem preenchidas.

Meu pelourinho amado! em tuas ruas sinuosas aprendi a escutar meus ancestrais, a sentir a dor dos escravos e a vibrar com os atabaques de todos os blocos afro da minha doce São Salvador.
Ora iê iê ô ! Mamãe Oxum
Salve a Senhora da bondade!

Adoro viver contemplando a poesia que me cerca. É belo o vento soprando as folhas secas sobre o asfalto do Eixão. Planalto-poesia

A mulher madura tem a tez amaciada pelos anos,
A mulher madura tem os olhos mergulhados no infinito,
A mulher madura tem o ritmo das marés e com elas traz pérolas legítimas.
A tez, os olhos e o ritmo é a tríade do universo feminino em flor desabrochado.
Assim é você minha querida. Beijo no coração.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O templo de Ártemis


Lá eu estava aquele dia e todo meu corpo tremeu diante da destruição que vi.
Seu altar caindo aos pedaços, suas sacerdotisas buscando água para apagar o fogo. Tudo ruindo ao meu redor e o medo me tomava. Medo de não ter para onde ir, medo de que a Grande Deusa se esquecesse de nós.
Todas as nossas porções, todas as nossas coisas perdidas para sempre. Meu vestido se arrastava sujo pelas escadarias e eu trazia pela mão uma das mais novas sacerdotisas do templo maior.
Todos na cidade assustados com o clarão que se abria.
Nos perderíamos no tempo? Nossa história ficaria esquecida?
Precisávamos manter o círculo, manter o contato e não desligar nossa rede.
Cada uma de nós passou pelo portal do tempo e mergulhou em momentos diferentes.
Precisamos nos reencontrar filhas da Grande Deusa. É chegado o momento.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Amanhecendo todos os dias.

Todas as manhãs o movimento é o mesmo. Abrir janelas, respirar o ar seco do cerrado e vibrar com o sol. Isso pode parecer um nada para quem é ainda jovem, mas quando atingimos a plenitude dos anos 40 e 50 temos um prazer imenso de estarmos vivas e pulsando.
Nosso corpo já reage diferente às emoções, aos impactos e temos consciência da importância desse veículo material.
Fico feliz sempre que sou abordada por pessoas de todas as idades e me chamam de "senhora" e ao mesmo tempo sorriem para mim afirmando que sou jovem. Agora mesmo estou escrevendo aqui e dançando com música baiana nos fones.
Sou feliz porque trago no corpo as marcas da minha história, das histórias que ouvi de outras mulheres que me formaram. Amo a liberdade de pensar, mesmo com todos os discursos que introjetei e incorporei ao meu.
Amando ou não, sou uma mulher que me projeto, que me lanço, porque tenho vida e tenho sonhos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Licença Creative Commons
A obra www.climaterioetereo.blogspot.com de Rita Sousa foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.

Refazendo caminhos...

Hoje se consolida a direção do meu caminhar sobre esta Terra. Os mergulhos para dentro de mim, fizeram-me perceber que o meu afastamento do caminho da luta pelos direitos da mulher me trouxe perdas, mas também construiu uma identidade mais definida do que que sou e para onde quero ir.
Já fomos queimadas em diversas fogueiras, já fomos perseguidas e já marchamos em diversas lutas e diversas frentes.
Ao ver o trabalho de diversas mulheres organizando a Marcha das Margaridas em 2011 entendi que a Marcha me trouxe de volta para o meu lugar. Sou mulher e me entendo como tal à medida que sou feminista e sou livre. Não me atrelo a nenhuma bandeira partidária em um primeiro momento.
Hoje reencontrei discursos e vi rostos que há muito cerram fileiras para que as novas gerações de mulheres possam ter cidadania. Não estamos sós, somos muitas e é chegada a hora de prepararmos as próximas gerações de mulheres e homens para continuarem construindo uma sociedade mais igualitária e justa.

domingo, 17 de abril de 2011

Ontem fiz um movimento que há muito eu buscava. Ir a uma festa em um gueto. Um grupo de mulheres que se conhecem mais ou menos há dez anos e tocam juntas samba de boa qualidade. Entre elas há casais, há amigas, há histórias acabadas, outras mal resolvidas. É um grupo que se conhece, canta junto e tem suas próprias regras. Uma delas é dar o tom a quem chega pela primeira vez.
Senti-me ontem viajando no túnel do tempo, vivi em guetos, em grandes e pequenos grupos de mulheres por uns cinco anos na minha vida entre os vinte e dois aos vinte sete anos. Vi histórias, em envolvi em tantas outras, mas sempre me coloquei numa posição de observadora, a que está presente, age com naturalidade, mas não se identifica muito com o contexto. Sempre fui descontextualizada de fato.
A diferença nesse caso de ontem é que levei uma amiga comigo, e a vi interagir no grupo e mais uma vez me coloquei na posição de quem narra, e não na de personagem da história. Amo as mulheres, amo todas, indiscriminadamente. Amo gente em geral.
Ficou claro para mim que aquele contexto não acolhe de fato, porque sempre há uma possibilidade de interesse, de envolvimento. Elas não se aproximam para conversar simplesmente, trocar ideias. Muito raro este comportamento. Os olhos se evitam, porque se houver uma insistência no olhar pode significar um consentimento para uma aproximação com interesse sexual.
Ontem abracei outra amiga com carinho e ouvi algo do tipo, abrace mas não por muito tempo porque pode dar problemas. Quais? Passar uma idéia de interesse meu? Provocar o ciúme em alguém? Vai saber do que se trata!
No final da história, então também não sou dali, como não sou do centro de umbanda, não sou par com outra mulher, não sou par com o pai dos meus filhos. Acho que estou tentando ser par comigo mesma. Par com a minha vontade de me conhecer. Sinto sempre que passo na vida das pessoas como andaime, ajudo a subir paredes, a descobrir caminhos e sigo em frente.
Isto é falta de capacidade de entrega? Pode ser que sim. Mas no fundo creio que sou do jeito que sou.
Acho lindas as histórias de amor, até me sinto tomando parte delas, mas na verdade, apenas parte de mim está ali. Apenas parte de mim se envolve.
Sempre estive acompanhada com alguém, mas continuava fazendo o movimento de observar todos a minha volta e algum momento desejá-los ou desejá-las. Isto é infidelidade? Creio que não, se ficar apenas no campo da imaginação, mas pode significar outra coisa se nos movimentamos para realizar a fantasia.
Acho bela a fala de envelhecer junto, ou juntas, mas no fundo não me vejo nesse cenário. Me vejo em vários instantes do tempo.
Tenho certeza que deixei mudanças por onde passei, deixei lembranças boas e ruins. Magoei pessoas e em outros momentos as fiz se sentirem amadas. Mas eu passo como vento, outras como brisa, outras como tempestade. Mas não sou de lugar nenhum e não pertenço a ninguém.
Agora, o tempo é de me envolver com pessoas, auxiliar pessoas, distribuir cuidado. Fazer trabalhos que abram caminhos, que tragam esclarecimentos. Mas a minha orientação maior é na direção de recuperar vidas humanas.
Durante o sono trabalho muito em hospitais, durante o dia estou me preparando para segurar em muitas mãos e concentrar toda a minha energia nesse trabalho.


quinta-feira, 31 de março de 2011

Meu olhar, meu desejo



Ontem assisti uma palestra com uma pós-doutora sábia na sua profunda simplicidade. Ela fechou sua fala com uma citação de Clarice Lispector: "Mude, mas mude devagar, a direção é mais importante". Naquele momento ela falava sobre o avanço da EaD e da necessidade de profissionalização e valorização do professor online.
Mas me fez refletir sobre o que é ser pessoa na mais lúcida concepção do termo. Ser pessoa é ver no outro uma pessoa. O outro não é a direção do meu desejo, o outro é portador de um desejo que também tem uma direção.
Nossas vidas tomam agora novas direções e para que eu seja pessoa preciso ver em você, não a projeção daquilo que passei a vida inteira desejando, mas preciso ver você naquilo que é o seu desejo. Só assim me torno pessoa.
Essa percepção só se dará no exercício quase diário da psicanálise, espaço no qual estou aprendendo a agir permitindo o impulso, mas dando limite ao movimento.
Estou aprendendo a bater na porta antes de tentar entrar, estou aprendendo a silenciar, quando o impulso é o grito. Talvez ou quase sempre o grito invade o ser do outro e não incomoda apenas o ouvido.
A cada dia preciso aprender a ser pessoa com meus filhos, meus amigos, meus alunos, com todos que me cercam.
Foi na convivência com você que aprendi e estou aprendendo a perceber o quanto fui impulso e centrada no meu desejo.
A direção é a meta, o caminho é a mudança. O instrumento é sempre a palavra, a palavra que me define, a palavra que me expõe, a palavra que me guarda.
Estou serenizando entrando nas águas de Clarice e de Pessoa. Assim portanto te deixo como presente o 'Meu olhar'

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...


O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...


Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...


Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914


sábado, 12 de março de 2011

Diante do Lago

Hoje sentada diante do Lago vislumbrei trechos da minha vida. A menina medrosa que não dormia de luz apagada, a adolescente que tremia diante da possibilidade de pisar em um terreno desconhecido à medida que se descobria mulher. A mulher adulta que ansiou pela maternidade e quando ela aconteceu ficou estática com seu primeiro filho nos braços e se perguntava: agora sou eu e ele, e daí como vou conseguir gerir esse processo?
Em seguida vi a mulher madura que está na curva da estrada mergulhada num turbilhão de incertezas. Abrindo mão da loucura incessante dos meus pensamentos e buscando construir mais perguntas diante das imagens que se dissolvem à minha frente. Quem eu era, quem sou e o que não mais ser...
As lanchas velozes levantam marolas e eu abro me abro em choro, porque queria me deixar levar pelo arremesso das águas, mas me contenho, porque ainda tenho novelos de lã para fiar. Sei que preciso fazer nascer a tecelã de palavras que ainda não conhece seu próprio desenho.

Carta aos meus filhos



Hoje estou com 47 anos e não sei se terei com vocês novamente a possibilidade de falar o que sinto.
Sei que sou destemperada, falo alto, tenho gestos e atitudes tempestuosas. Sou assim sim e tenham a certeza de que não me envergonho disso.
Não me envergonho de ser baiana, de ter saído cedo de casa para lutar por melhores condições de vida. Sou uma profissional responsável, ciente dos meus deveres. Sou mãe zelosa, cuidadosa e principalmente apaixonada por meus filhos.
Tenho muitos defeitos eu sei, muitos mesmo. O principal deles foi não ter mantido a palavra com vocês muitas vezes. Prometi ações e muitas vezes voltei atrás. Mas tudo isso não me diminui como pessoa.
Sempre trabalhei com orgulho e tenho a plena certeza que sou uma guerreira e sou vitoriosa naquilo a que me propus a ser e fazer: sou uma educadora e amo o que faço.
Sou agressiva muitas vezes, mas sei me curvar e pedir desculpas, sei reconhecer quando erro. Sou forte e sou frágil.
Hoje me dirijo a ambos para deixar claro duas coisas muito sérias para mim. Sigo minha vida sozinha, nunca mais colocarei uma gota de álcool ou usarei qualquer droga lícita ou ilícita no meu corpo. Vou abraçar de fato uma causa social, vou preencher minha vida de ações úteis e o meu trabalho vai ser a cura para todos os males.
Estou machucada, triste, magoada com tudo que me aconteceu nesses três últimos anos, mas eu vou sobreviver a tudo isso, e a minha cabeça está erguida e meus olhos voltados para o futuro.
Estou chorando as minhas últimas lágrimas de dor, pelo fim de um casamento e pelo recomeço da minha vida. Toda relação quando chega no ponto que chegou a minha com o  pai de vocês é um caminho sem volta. Há breves retornos, mas são passageiros porque os motivos que nos afastaram continuam latentes. São as mesmas brigas intermináveis e idiotas e sempre pelos mesmos motivos. Eu e ele nunca combinamos de fato.
Foram dezessete anos de vozes alteradas, discussões insanas e principalmente desrespeito mútuo. Ambos temos o direito de caminhar por outras estradas e sermos felizes.
Pode ser que tudo isso que estou dizendo soe para vocês como filme antigo, porque já ouviram tantas vezes as minhas lamúrias, as minhas reclamações...
Eu não esqueci de todas as vezes que ambos me deram colo, foram meus companheiros, cuidaram de mim e foram solidários. Não tenho como agradecer tanto carinho. Sei também de tantas outras que vocês brigaram comigo, gritaram e me condenaram por tudo que eu possa ter feito de errado. Nossa relação meninos homens sempre foi muito bonita, sempre nos olhamos nos olhos e falamos nossas verdades. Amo muito vocês por isso.
Quando me virem sair de casa sozinha registrem bem e tenham a certeza, minha mãe está querendo respirar e não está fazendo nada que não poderia fazer conosco. Vou tomar muitos passes, vou orar, vou me recolher e buscar a minha paz interior.
Sejam respeitosos com seus avós, ame-os intensamente porque a permanência deles conosco é breve. Beije-os sempre porque não sabemos por quanto tempo ainda poderemos fazê-lo.
Eu estarei sempre aqui, por um tempo um dia bem o outro nem tanto, mas estarei com vocês mesmo em espírito. O amor de uma mãe é inexplicável e tudo que queremos é estar por perto.
Obrigada meus filhos.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Tantos rostos

Sempre que me encontro no meio de tantos rostos e a música está presente, saio do meio deles e vou para um lugar onde só eu habito, eu e meu coração calado. Vou para o espaço do indizível, porque se digo, me entrego e me enfraqueço.
Os anos passam e a saudade do futuro é enorme. Saudade do que é vindouro, diria mesmo, saudade de ultrapassar os umbrais do tempo. Atirar-me para além daqui e do agora.
Sei que a busca é a minha tônica, sei que a busca é o meu destino, sei que a busca me trouxe até aqui e me atira para a frente.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Voltando pela estrada

Sempre me sinto em paz quando pego o volante do carro e tomo o rumo de casa. Mergulho no som que toca no rádio. Vejo as luzes passado, vejo a memória se manifestando. Hoje me vi saindo do lugar em mergulhar na fantasia. Vi janelas acesas, pessoas andando em suas casas e com elas me integrei, senti suas histórias e ouvi suas vozes.
Me sinto sempre só, como quem procura a música perfeita, o sentimento profundo, os cabelos voando, a pele morna da vida que pulsa em mim.
Hoje mergulho nos olhos, nos silêncios das pessoas que me cercam e me encontro um pouco em cada uma delas.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Bahia: meu lugar no mundo

Toda depressão cava fundo o buraco do nosso peito, cavuca nossa alma e pergunta: onde está o nó? Onde está a resposta?
Sinto que as depressões que afundaram meu peito, apontavam todas para uma direção, a do sufocamento. Escondendo a minha baianidade intensa, o meu jeito de ser eu. Desde que o planalto se tornou minha casa, tentei apagar das minhas entranhas a minha casa original. Uma tentativa insana de sobreviver ao ar seco e à distância do mar, o mar que me trazia e me levava em cada arrebentação do medo.
Meus olhos seguiam o caminho do mar, lá eu abria meu peito e expulsava a dor de nunca saber quem eu era. No mar eu expurgava o amargor das minhas incertezas adolescentes. Com os olhos no mar eu tentava entender porque o silêncio me atordoava, porque as ruas cheias de gente e de cheiros pareciam estar desertas.
Eu sempre me guiei pelo mar, pelo bater das ondas e pouco me importava não ter raízes, porque a saudade que se delineava para além do horizonte me sufocava. Mas eu estava na minha Bahia. Quando a dor apertava eu comia acarajé e caminhava pelo corredor da Vitória. Cruzava os olhos com o transeunte anônimo e no mel dos seus olhos eu construía uma história de amor, sem palavras, mas com o coração palpitando.
Eu sabia muito pouco do mundo e muito pouco de mim, mas sabia do barulho do mar, sabia do vento que fazia a areia subir e arder os olhos.
Por muito tempo eu tentei me tornar alguém sem minhas pulseiras, meus brincos e meu batom cor de uva. Tive filhos, busquei amores e nada encontrei além do silêncio do cerrado.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Lendo cartas

As cartas sempre me fascinaram. Desde as cartas de amor até as cartas do tarô. Vejo nelas sempre o jogo, a sedução. Nelas há coisas ditas, mas há coisas escondidas. Palavras que vem e vão criando novos movimentos, abrindo novos caminhos, tecendo certezas.
Sempre vivi descartando e organizando as jogadas,com isso, já me senti fora do baralho.
As epístolas tem seu encanto. São organizadas para dizer verdades e construir mentiras. Falam de amor e separação, falam de despedidas, falam de morte e de vida.
Atrás de cada carta há uma chama de uma vela, um olhar que se projeta para alcançar a palavra certa. Aquela que descreverá o que se sente, ou quem sabe ocultar o que não queremos que saibam.
Já escrevi cartas, orações, memórias. Entretanto, são as cartas de despedida que me fascinam. Prometem tanto, mas o coração está cheio de dor. As cartas de despedida são lenços brancos que se perdem na curva do caminho. As carruagens somem, mas o perfume do vinho, do tabaco e o gosto do último beijo permanecem. Balzac sabia como ninguém falar de despedidas.Pessoa falava de perdas como quem nada ganhou e eu quero penetrar no feitiço das cartas dos mais diversos autores, Quero que minhas mãos digitem as mais longas cartas para falar da vida, da minha intermitência e do mundo que me povoa.
Quero ser uma guardiã que consola os aflitos e protege os fracos, porque o meu voar será cada vez mais para dentro, até que eu e o mergulho sejamos uma e a mesma coisa.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Textualizando

Hoje dirigi meu carro como quem toma as rédeas de um cavalo jovem. Tive a certeza que a estrada que tomei hoje foi trilhada pela primeira vez.  Sou mulher, mãe, forte, frágil e principalmente consciente dos meus limites.
Sei pouco da vida, mas sei mais de mim. As curvas do corpo se tornam menos sinuosas, mas o espírito está mais firme. Amanhã visitarei um Santuário e lá deixarei um agradecimento sincero à energia criadora que se move em mim e em tudo que nos cerca.
Cheguei até aqui construindo cada pedaço da minha história com linhas pouco firmes, outras horas usei cordões grossos. Sempre soube pouco de como foi feito o risco do meu bordado.
Sei que sou uma cuidadora, vim com essa característica. Tenho necessidade de afagar as pessoas, de envolvê-las e escutar seus silêncios.  Quando hajo assim, consigo ver com mais nitidez as pedras sobre as quais preciso pisar.
Trago em meu seio uma ânsia de ver para além das veredas ou ruas estreitas. Quero muito ler o mundo com os olhos da poesia, daquela poesia que consegue transformar o nada em enlevo.
Estou retomando aos poucos o contato com o texto, o texto que me escreve, o texto que me constrói como narrativa. Eu começo a contar de mim para poder mais cedo ou mais tarde tecer novos textos que contem de outros que brotam diante dos meus olhos e que ainda não sei narrar. Escrevo para conseguir um dia ficcionalizar. Não sei dizer se é cedo ou tarde, mas sei que havia a necessidade de dar os primeiros passos e como criança estou amaciando o chão, estirando o papel para me fazer palavra. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Parceria comigo mesma

Hoje fiquei de molho na cama. Passei o dia me recuperando de um excesso alimentar. Excesso que não foi diferente de tantos outros que já tive nos últimos anos. Na verdade, os excessos emocionais são as causas primeiras. São os impasses, as situações não resolvidas e que muitas vezes dependem de mim também, que me levam a engolir aquilo que quero expulsar de mim.
Sou hoje alguém que quer viver intensamente, o corpo dá seus limites. Meu coração não quer viver batendo devagar, como diz a música. Sei que não sou mais jovem, mas meu sentir o mundo continua adolescendo, enfrentando os tsunamis, buscando as tempestades. Não sei me sentir viva de outra forma.
Hoje vivo trancada numa cadeia sem chaves, a porta fica aberta, mas ainda não fortaleci as asas o suficiente para me jogar e alçar o céu.
Tenho certeza que é uma questão de tempo, de me preparar devagar para a liberdade. Meus rebentos já estão viçosos, meus pais já caminhando em direção ao entardecer e quero trilhar meu caminho daqui para a frente sem amarras conjugais, sem senões ou porquês. Quero parcerias de jornada, nada que impeça que a parceria seja a mesma em todas as incursões, mas quero projetar cada jornada, cada detalhe com uma viagem única.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Existindo na memória

Trilhei muitos caminhos até encontrar este vasto planalto. Nunca antes tinha visto além do horizonte que se organizava sobre o mar. Na sua beira aprendi a silenciar, mesmo quando o coração trabalha acelerado. Perto do mar aprendi a perceber as correntes que passam em silêncio perto dos recifes de coral.
Em muitas tardes, parei para ouvir as ondas dançando, encontrei em cada movimento um pouco de mim. Um pouco dessa mulher que antes se amedrontava com tudo. Uma mulher insone que teimou, muitas vezes e por horas em dissecar sua vida e seus problemas, na madrugada e só percebia que tudo se tornava mais claro com a luz do sol.
Passei por ruas estreitas, e vi nas pedras da calçada filmes em flash de momentos que ficaram perdidos no tempo. Sei que falar assim pode parecer sem sentido para muitos, mas no portal que ora me encontro, a memória trabalha por saltos, se entrega ao devaneio com uma rapidez surpreendente.
Divago entre o hoje e o ontem com quem atravessa uma ponte. Vou da mulher à criança em segundos. Ora me vejo brincando com minhas tranças, ora me emociono com os versos que ainda recordo do poeta que lia quando era adolescente. Muitas horas me detive em contemplar a descrição dos cedros do Líbano e chegava mesmo, a sentir o cheiro do seu perfume. Vivi toda a poesia das palavras e senti com intensidade cada palavra que se movimentava nas páginas dos livros.
Por muito tempo achei que o mundo me entrava pelos poros quando mergulhava numa narrativa ficcional. Viajei para espaços distantes e lá permaneci por muito tempo. Creio até que parte de mim não retornou até hoje.
Sinto no presente falta da poesia que exalava de tudo, do meu olhar que vislumbrava cada detalhe das coisas como se as visse pela primeira vez. Quero novamente saber mergulhar na floresta do alheamento que Pessoa tantas vezes me levou pela mão. Eu fui e com ele senti o cheiro perfumado do tabaco e o gosto amargo do chocolate.
Preciso novamente me abrir para o deslumbramento, a procura do não sei que da arte que nos faz capazes de viver a verdadeira catarse de existir.


segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Olhando o fundo azul

Hoje fiquei vendo o fundo da piscina enquanto nadava e percebi que mergulhada na água, deslizando lentamente, podia ouvir mais profundamente a minha respiração.Assim, pude no silêncio, ativar memórias preciosas. Hoje busco nas águas o equilíbrio que essa nova fase da minha vida retirou. A instabilidade emocional é uma marca constante nessa fase da minha trajetória. Mas o encontro com outras mulheres sempre me faz refletir. Somos todas parecidas e tão diferentes. Cada uma ao seu modo, dizendo de diversas formas como desenvolveram mecanismos para navegar por esse mar.
Até então eu achava que meu barco tinha GPS. Não podia imaginar que o climatério seria um tsumanami que surge debaixo de um mar calmo. Tenho a maturidade, mas não o preparo para lidar com a sabedoria que a idade nos dá e o desgoverno que o nosso corpo opera.
Das víceras, pelo menos das minhas, nasce todo dia uma surpresa, prisão de ventre por dias, rins que filtram sem parar e do nada resolvem parar de repente. Intestinos que oscilam entre liberar e reter. Temperatura corporal que vai do frio ao calor abrasador em segundos ou minutos. Medos que assolam o sono, que desde os quarenta anos me acompanham.
Por outro lado, dias que nascem ensolarados e me sinto poderosa por horas, para depois ter vontade de se esconder e não falar com ninguém. E menina, ainda ter que trabalhar e ser profissional competente e segura.


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Não sei nada de mim...

A vida tem laboriosamente me trabalhado para ceifar a poesia das minhas veias. Há muito tempo os verbos para me definir sempre se resumem a agressiva, egoísta, nefasta e instável.
Eu pouco digo do que sinto, sempre há um esforço para modular a liberdade que em mim habita. Há um esforço sobre-humano para que eu permaneça a mulher inacabada e incompleta. Quero colocar o pé na estrada e partir em direção ao sol.
Não há vontade de permanecer aqui. Escutar o vento e partir. Nas madrugadas procuro o som da minha respiração e vejo a tela do net book se abrir em sorriso, esperando engolir as palavras que produzo. Nunca serei poeta, serei sempre aquela que tece em busca da trama de muitos fios que tragam a certeza de que não sei a direção a tomar.

Angústia

A vida me dói. O passar do tempo me atormenta. Tenho sede de viver a intensidade do sol, mas lá fora pouca coisa me mantém viva.
Não sei amar. Amo imagens distorcidas, projeções de seres humanos. O real me desilude.O ser de cada um me tortura. Amo o que não existe.  Mergulho nos livros e lá não encontro o fio da meada. Ando sozinha na noite e não encontro abrigo. Ando sozinha no tempo e mais uma encarnação sem encontrar a quem procuro.
Vim em um cavalo que não me deu asas. Vim em busca do tempo perdido e nada encontrei. Hoje sangro. Hoje nada sei.

Sempre mergulhando

Hoje sentada diante do Lago vislumbrei trechos da minha vida. A menina medrosa que não dormia de luz apagada, a adolescente que tremia diante da possibilidade de pisar em um terreno desconhecido à medida que se descobria mulher. A mulher adulta que ansiou pela maternidade e quando ela aconteceu ficou estática com seu primeiro filho nos braços e se perguntava: agora sou eu e ele, e daí como vou conseguir gerir esse processo?
Em seguida vi a mulher madura que está na curva da estrada mergulhada num turbilhão de incertezas. Abrindo mão da loucura incessante dos meus pensamentos e buscando construir mais perguntas diante das imagens que se dissolvem à minha frente. Quem eu era, quem sou e o que não mais ser...
As lanchas velozes levantam marolas e eu abro me abro em choro, porque queria me deixar levar pelo arremesso das águas, mas me contenho, porque ainda tenho novelos de lã para fiar. Sei que preciso fazer nascer a tecelã de palavras que ainda não conhece seu próprio desenho.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Falando de portais...

Queridas amigas de perto e de longe,

quando estava perto de completar 40 anos mergulhei em uma profunda estafa física e emocional. Diziam os médicos que eu havia tido um colapso. Na verdade considero um lapso no meu tempo interior.
Até então, me considerava uma mulher ativa e intelectualmente produtiva. Uma soma de fatores e alterações orgânicas me fizeram acreditar que não era bem assim. Eu estava começando a vislumbrar o primeiro portal na vida de uma mulher madura.
E agora? filhos adolescentes, casamento sem emoção, meu corpo se alterando a olhos vistos, a mente cansada e tantas reflexões a fazer.
Sete anos depois disso, começo o processo de compartilhar com outras mulheres o que significa para mim essa passagem. Rica por um lado e sofrida por outro.
Aqui, são apenas palavras iniciais para inaugurar esse espaço de troca e vivências.