domingo, 17 de abril de 2011

Ontem fiz um movimento que há muito eu buscava. Ir a uma festa em um gueto. Um grupo de mulheres que se conhecem mais ou menos há dez anos e tocam juntas samba de boa qualidade. Entre elas há casais, há amigas, há histórias acabadas, outras mal resolvidas. É um grupo que se conhece, canta junto e tem suas próprias regras. Uma delas é dar o tom a quem chega pela primeira vez.
Senti-me ontem viajando no túnel do tempo, vivi em guetos, em grandes e pequenos grupos de mulheres por uns cinco anos na minha vida entre os vinte e dois aos vinte sete anos. Vi histórias, em envolvi em tantas outras, mas sempre me coloquei numa posição de observadora, a que está presente, age com naturalidade, mas não se identifica muito com o contexto. Sempre fui descontextualizada de fato.
A diferença nesse caso de ontem é que levei uma amiga comigo, e a vi interagir no grupo e mais uma vez me coloquei na posição de quem narra, e não na de personagem da história. Amo as mulheres, amo todas, indiscriminadamente. Amo gente em geral.
Ficou claro para mim que aquele contexto não acolhe de fato, porque sempre há uma possibilidade de interesse, de envolvimento. Elas não se aproximam para conversar simplesmente, trocar ideias. Muito raro este comportamento. Os olhos se evitam, porque se houver uma insistência no olhar pode significar um consentimento para uma aproximação com interesse sexual.
Ontem abracei outra amiga com carinho e ouvi algo do tipo, abrace mas não por muito tempo porque pode dar problemas. Quais? Passar uma idéia de interesse meu? Provocar o ciúme em alguém? Vai saber do que se trata!
No final da história, então também não sou dali, como não sou do centro de umbanda, não sou par com outra mulher, não sou par com o pai dos meus filhos. Acho que estou tentando ser par comigo mesma. Par com a minha vontade de me conhecer. Sinto sempre que passo na vida das pessoas como andaime, ajudo a subir paredes, a descobrir caminhos e sigo em frente.
Isto é falta de capacidade de entrega? Pode ser que sim. Mas no fundo creio que sou do jeito que sou.
Acho lindas as histórias de amor, até me sinto tomando parte delas, mas na verdade, apenas parte de mim está ali. Apenas parte de mim se envolve.
Sempre estive acompanhada com alguém, mas continuava fazendo o movimento de observar todos a minha volta e algum momento desejá-los ou desejá-las. Isto é infidelidade? Creio que não, se ficar apenas no campo da imaginação, mas pode significar outra coisa se nos movimentamos para realizar a fantasia.
Acho bela a fala de envelhecer junto, ou juntas, mas no fundo não me vejo nesse cenário. Me vejo em vários instantes do tempo.
Tenho certeza que deixei mudanças por onde passei, deixei lembranças boas e ruins. Magoei pessoas e em outros momentos as fiz se sentirem amadas. Mas eu passo como vento, outras como brisa, outras como tempestade. Mas não sou de lugar nenhum e não pertenço a ninguém.
Agora, o tempo é de me envolver com pessoas, auxiliar pessoas, distribuir cuidado. Fazer trabalhos que abram caminhos, que tragam esclarecimentos. Mas a minha orientação maior é na direção de recuperar vidas humanas.
Durante o sono trabalho muito em hospitais, durante o dia estou me preparando para segurar em muitas mãos e concentrar toda a minha energia nesse trabalho.