quinta-feira, 31 de março de 2011

Meu olhar, meu desejo



Ontem assisti uma palestra com uma pós-doutora sábia na sua profunda simplicidade. Ela fechou sua fala com uma citação de Clarice Lispector: "Mude, mas mude devagar, a direção é mais importante". Naquele momento ela falava sobre o avanço da EaD e da necessidade de profissionalização e valorização do professor online.
Mas me fez refletir sobre o que é ser pessoa na mais lúcida concepção do termo. Ser pessoa é ver no outro uma pessoa. O outro não é a direção do meu desejo, o outro é portador de um desejo que também tem uma direção.
Nossas vidas tomam agora novas direções e para que eu seja pessoa preciso ver em você, não a projeção daquilo que passei a vida inteira desejando, mas preciso ver você naquilo que é o seu desejo. Só assim me torno pessoa.
Essa percepção só se dará no exercício quase diário da psicanálise, espaço no qual estou aprendendo a agir permitindo o impulso, mas dando limite ao movimento.
Estou aprendendo a bater na porta antes de tentar entrar, estou aprendendo a silenciar, quando o impulso é o grito. Talvez ou quase sempre o grito invade o ser do outro e não incomoda apenas o ouvido.
A cada dia preciso aprender a ser pessoa com meus filhos, meus amigos, meus alunos, com todos que me cercam.
Foi na convivência com você que aprendi e estou aprendendo a perceber o quanto fui impulso e centrada no meu desejo.
A direção é a meta, o caminho é a mudança. O instrumento é sempre a palavra, a palavra que me define, a palavra que me expõe, a palavra que me guarda.
Estou serenizando entrando nas águas de Clarice e de Pessoa. Assim portanto te deixo como presente o 'Meu olhar'

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...


O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...


Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...


Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914


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